23 fevereiro 2010

Comunicado da Ordem dos Médicos


ah e tal há imensa falta de médicos e não sei quê...
FYI



COMUNICADO

Curso de Medicina de Aveiro

A oitava Faculdade de Medicina em Portugal iniciou o seu percurso no ano lectivo de 2009-2010 na Universidade do Algarve, levantando uma série de questões de extrema importância, com delicadas implicações futuras, que a Ordem dos Médicos gostaria de ter analisado com o Digníssimo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Prof. Doutor José Mariano Gago, pelo que, em Fevereiro de 2009, solicitou uma audiência formal com esse objectivo. Estranhamente, tal audiência não foi concedida.
No ano lectivo de 2008-2009 abriram 1614 vagas para Medicina nas sete Faculdades de Medicina portuguesas. Se multiplicarmos este número por 30 anos, significa que se formarão, durante este período de tempo, 48420 médicos. A este número deveremos somar os cerca de 12 mil médicos formados nos dez anos anteriores, que, pelas novas regras de aposentação, terão que exercer pelo menos durante 40 anos. Quer isto dizer que, em 30 anos, sem sequer contar com os estudantes de medicina portugueses no estrangeiro e com os eventualmente formados na Universidade do Algarve (UA), Portugal irá duplicar o seu actual número de Médicos! Absurdamente, no ano lectivo de 2009-2010 o numerus clausus para Medicina aumentou novamente.
Para que vai precisar Portugal de mais de 60 mil médicos no activo, particularmente quando se prevê uma redução da sua população total?
Portugal terá actualmente cerca de 30 mil médicos no activo, um número exactamente sobreponível à média europeia. O actual problema da saúde em Portugal, salvo algumas situações pontuais, não é de falta de Médicos mas sim de falta de organização, como reconheceu publicamente a própria Ministra da Saúde, com toda a propriedade.
O rotundo êxito do programa específico de combate às listas de espera para cirurgia das cataratas ilustra amplamente esta indisputável verdade. Com um pequeno investimento adicional, que permitiu a rentabilização da capacidade já instalada no SNS, em poucos meses acabou-se com as listas de espera de cataratas, sem que fossem necessários mais oftalmologistas!
E se se prevê que, no curto prazo, possa haver alguma dificuldade transitória de Médicos, ela não será resolvida pela Universidade do Algarve nem pelo putativo Curso de Medicina de Aveiro, pois só daqui a dez anos começarão os seus primeiros licenciados a completar as respectivas especialidades, numa altura em que já terão sido ultrapassadas essas mesmas dificuldades. Este problema transitório será facilmente resolvido se o Governo atrair os Médicos que estão actualmente perto da sua reforma para se manterem mais meia dúzia de anos no activo.
A indesmentível verdade é que, em termos quantitativos, a Faculdade de Medicina do Algarve e o desnecessário Curso de Medicina de Aveiro se irão limitar a formar Médicos para o desemprego ou para exportação.
Aliás, quem faz contas de forma honesta e transparente sabe que, a partir de 2010, o numerus clausus para Medicina deveria começar a diminuir para evitar o desemprego médico.
Médicos a menos prejudicam as populações pelas dificuldades de acesso, mas Médicos a mais constituirão um desperdício para o país e uma ameaça para os cidadãos saudáveis, pois serão compelidos a inventar doentes para sobreviver, e farão disparar os custos globais da saúde. Será tão difícil compreender que à Saúde não se podem aplicar as regras de mercado de qualquer outro sector da economia?!
E numa altura em que o país se debate com uma profunda crise económica, em que as Universidades estão asfixiadas e em que o SNS, por falta de recursos, está a ser minimalizado e comprometido na qualidade dos serviços de saúde disponibilizados aos doentes, é um dever patriótico que todos se questionem sobre as razões subjacentes a uma decisão exclusivamente política, contrária a critérios técnicos, e que custará dezenas de milhões de euros ao país, desta maneira espantosamente desperdiçados.
Perante a crueza dos números, por si próprios indesmentíveis, é evidente e incontestável que Portugal não precisa de mais quaisquer Faculdades de Medicina para além das oito já existentes. Invista-se na Universidade de Aveiro, que bem o justifica e merece, mas não de forma a desperdiçar recursos que tanta falta farão noutros sectores da mesma Universidade.
Um dos graves problemas do país é que passamos a vida a fazer experiências que, depois, nunca são avaliadas nem extraídas conclusões consequentes. Elogiamos deslumbradamente todas as experiências, mas nunca aprendemos com os resultados. E assim estamos cada vez mais na cauda da Europa. A Comissão Científica Internacional (CCI) produziu apenas um elogio no condicional à metodologia escolhida para o curso do Algarve. Na realidade, não existe Medicina Baseada na Evidência que comprove que o método PBL, em si mesmo extraordinariamente exigente, quando ministrado por um corpo docente maioritariamente sem experiência, seja globalmente superior aos métodos de ensino presentemente utilizados, que já nada têm a ver com os métodos clássicos do antigamente.
A Faculdade de Medicina do Algarve não é necessária, pelo que a sua nova experiência, por muito interessante e estimulante que seja, é supérflua. Caso se pretenda reproduzir a experiência de ensino integral em PBL em Portugal, o que a Ordem dos Médicos encara de forma positiva, então que primeiro se avaliem de forma transparente e independente os futuros resultados do Algarve.
Finalmente, não se pode escamotear que as licenciaturas de Bolonha em outras áreas não conferem aos alunos a mesma formação dos primeiros anos dos Cursos de Medicina, pelo que a Ordem dos Médicos encara com enorme preocupação a qualidade dos futuros licenciados pelo método PBL e com cursos de apenas quatro anos.
Além do mais, não existe em Portugal massa crítica suficiente para oito Faculdades de Medicina, muito menos para nove, nem existe capacidade no país para que todos os futuros licenciados possam concretizar uma especialidade Médica.
Então, não podemos deixar de perguntar, quais são as verdadeiras consequências de proletarizar e indiferenciar a Medicina, reduzindo o seu nível global de qualidade, prejudicando, por essa via, os próprios doentes? O ónus desta decisão política vai ser pago por todo o País.
Se as normas internacionais dizem que é suficiente uma Faculdade de Medicina por cada dois milhões de habitantes, para que se equaciona a criação da nona Faculdade de Medicina em Portugal?

Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos

Lisboa, 15 de Dezembro de 2009

5 comentários:

  1. Concordas integralmente com o que está no post?
    E mesmo que concordes, não será uma opinião ferida pelo corporativismo excessivo que a classe médica tem demonstrado ao longo dos anos?

    ResponderEliminar
  2. É óbvio que é o orgulho ferido da classe a falar, mas também é (que eu saiba) a única posição de um órgão oficial a dizer que afinal essa falta de médicos de que se fala tanto - parece que é moda - não é tão grande assim e que mais tarde ou mais cedo a situação actual se vai virar do avesso... e nessa altura, nem os médicos se safam ao desemprego: e diz o zé povinho "é bem feita para não se armarem.. agora é que a saúde vai ser uma maravilha!" 'Tá-se mesmo a ver, não é?!?!
    Tudo bem, mais concorrência pode ser bom mas também pode ser nocivo para a população, como se sabe!
    Anyway, que haja falta de médicos... Não partam é para a loucura de andar a contratar médicos de toda a parte do mundo e a abrir vagas nas faculdades sem condições, assim a torto e a direito, como se isso resolvesse os nossos problemas a longo prazo! Há que começar pelas bases!! E não criar problemas novos!
    É uma questão de ter bom-senso e de conseguir distinguir a verdade e a seriedade dos dois lados da discussão...

    ResponderEliminar
  3. Deixou-me um comentário no blog. O quadro está disponivel. Se ainda tiver interesse por favor contacte para o mail: ssmmfsc@gmail.com

    Obrigada

    ResponderEliminar
  4. E depois queixas-te que as pessoas nao comentam o teu blog...ja viste bem o tamanho desse post? ninguem vai ler isso!

    ResponderEliminar
  5. Incrível!!!!
    De aqui a nada estamos como Espanha!
    Que todos os anos se formam prai 4x o num de médicos que podem sequer escolher especialidade. Todos os anos forma se algo como 12mil médicos por ano, qdo só existem 4mil vagas para a especialidade.

    ResponderEliminar

Adiante! Ide e comentai!