04 dezembro 2011

Os Donos da minha Rua

Ainda não tinhamos vindo para cá morar, ainda isto era tudo vigas, buracos, pó e entulho, já se estava a perceber que havia uma entidade que dominava esta rua e quiçá, todo o bairro.

Não seria por ser um grande proprietário (que já houve quem fosse dono de várias casas nesta rua e nem por isso a coisa foi diferente), ou por ser o mais antigo (tenho a certeza que o meu vizinho do lado com os seus 500 anos já cá mora há mais tempo). Terá sido por algum poder do além que aquela alminha se tornou o Dono da Rua.

Ser Dono da Rua é como ser Rei e, como tal, toda a família usa o título nobiliárquico com grande orgulho, como só as grandes famílias ostentam. (Ainda não vi nenhum brazão na fachada das casas, mas está, certamente, para muito breve.)

Contudo, estamos em crise e estes tempos não estão para grandes gastos com criadagem. Vai daí, a qualquer hora a que eu saia de casa, lá anda um deles a patrulhar os seus domínios (e os dos outros, for that matter...). Ora, a coisa dá-se da seguinte forma (visualizem!):

8h00 Logo pela manhã, para começar bem o dia, vem a Dona da Rua - a mulher do Dono da Rua - com os seus chinelos abertos a frente e meias berrantes, mas a condizer com o pijama velho, roupão piroso e rolos na cabeça (não, já estou a exagerar... or am I??). Dizia eu que lá vem ela, rua acima, ou rua abaixo: nunca percebi de que que lado vivem eles, de que lado vivem as filhas... Vai daí cruza-se com o neto, dos seus 20 anos que sai já a passear os cães.

08h30 Passa o Dono da Rua para cima.

10h00 Aparece o neto de tronco nú - oh so (not) sexy -, balde e esponja na mão. Tira da garagem de cima o seu carrinho branco a brilhar e põe-se a lavá-lo no meio da rua. Não que ele estivesse sujo, mas no fundo é tudo o que o rapaz faz na vida portanto não se pode deixar desleixar.

13h00 Passa a Dona da Rua com um tabuleiro de inox cheio de empadas (ou pastéis de bacalhau, ou outra coisa qualquer, sei lá!, vêm sempre tapados com um pano aos quadrados meio desbotado, o que havia à mão, não vá arrefecerem no caminho). Logo de seguida vem uma das filhas - a mais velha, mãe do rapaz de há bocado - com duas cadeiras debaixo do braço. Além de não haver fogão para cozinhar na casa de cima, também não deve haver cadeiras para todos.

14h00 Passa o Dono da Rua para baixo.

14h30 Sai a filha mais velha, desta vez no seu carrão. Tal como quando vai a pé, não cumprimenta ninguém. Quanto muito havia de acenar como a nobreza, mas ainda se despista e atropela a mãe, Dona da Rua, que entretanto vinha a passar outra vez. Portanto não vale a pena.

17h40 Passa o Dono da Rua para cima.

17h45 Passa o Dono da Rua para baixo outra vez - don't ask.

18h00 Chega a filha mais nova, orgulho do seu papá - o Dono da Rua - que, por pouco mimada que é, chega no seu carrinho (coitadinha, não tem um carrão como o da mana) e bota-se à frente do grande portão verde - maior que a casa - e buzina como se não houvesse amanhã até que o papá ponha de lado o jornal e venha à rua dar entrada à menina! Volta a sair pouco depois, mas isso não interessa nada.

20h00, hora de jantar. Já estão a ver o que acontece, não?

00h00 Sai o genro - ainda não tinha aparecido o genro, marido da filha mais velha - a passear os cães novamente para o chichi da noite, que isto de marcar terreno é mais importante do que se pensa.

02h00, chove torrencialmente e a filha mais nova volta a aparecer no seu carrinho. Buzina, aparece o paizinho. Mas, azar dos azares, quando construíram o murete à entrada esqueceram-se que o carro tem que ter espaço para fazer a manobra e agora tem que entrar mesmo de frente... dizia eu, por azar alguém estacionou do outro lado da rua e a menina - coitada - não conseguir fazer a manobra como quer. Vai daí, não pensa duas vezes (não pensa, ponto): lança uns três ou quatro palavrões para o ar, alto e bom som, só para saberem quem é a Filha do Dono da Rua. Tem 40 anos e é solteira. E são 02h00.

Verdade seja dita, o Dono da Rua (ao contrário da mulher e filhas) cumprimenta sempre quem se cruza com ele e parece ser bastante simpático. Pudera, se assim não fosse, ninguém voltava a votar nele para Dono da Rua!!

Quando vier para aqui morar alguém da minha família há-de acontecer o mesmo... e eu hei-de morder esta linguinha que Deus me deu, e morrer envenenada!!

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