16 agosto 2014

Tudo bem? Tudo.

Mas o encolher de ombros diz outra coisa; a verdade é outra. A depressão deitou tudo abaixo. Ficou tudo negro. Ou tudo claro. Se calhar não interessa. Nem cores, nem sons. É tudo indiferente. Tudo, nada, mas isso também não importa. Só olha para baixo. Está em baixo. Nunca esteve tão em baixo e não sabe porquê. Não quer sair nem quer ficar; não querer falar, nem calar, nem sussurrar, nem gritar. Nem sorrir. Está ali, ancorado ao fundo do mar e sem forças para subir, para lutar. É uma imensa dificuldade em respirar, em mexer, em sentir. É não ser nada, não querer nada, não vibrar com nada. É a total indiferença. Às vezes é não querer viver, não ver sentido nisso, não ver sentido em nada. Também é não querer morrer. Não quer nada. Não quer que o chateiem, bolas, não chateiem! Mas também é não querer que o deixem em paz... Não vão...

14 agosto 2014

Do tempo que passa

Só aos 28 anos percebi que os 22 já lá vão.

Em pouco tempo faço 29, parece que amanhã já serão 30 e tenho a sensação que agora é que vão ser elas... Como dizia a Carmo, empregada de sempre lá em casa, "depois disso 3zinha, depois disso é um tal correr!..."

Quem passa a barreira dos '-inta', entra num novo mundo, para mim ainda completamente desconhecido. Gerelmente inclui carrinhos e fraldas; exclui noites e passeios a dois. Dizem que é bom, mas não sei, não... Ainda me vejo do lado de cá da fronteira, a olhar para esse horizonte longínquo feito de chupetas e essas coisas estranhas.

Se calhar vou tarde (a julgar por algumas meninas - meninas mesmo - que vejo na consulta, vou tardíssimo...), mas o despertador da biologia ainda não tocou deste lado e por este andar desconfio que quando tocar há de fazer toda a barulheira acumulada em tantos anos. On verá.

De resto, sei lá, olho para o espelho e a única diferença que vejo é mesmo o espelho em si, que antes era o lá de casa e agora é o nosso, dos dois. Mais de resto, tudo na mesma. Ténis, calças de ganga, uma miúda autêntica.

05 agosto 2014

Fazia um calor infernal naquele quarto dos meninos. A casa era pequena, para férias como se querem, de recolher só para comer e dormir, tudo o resto era boa vida.
Mas no verão fazia ali um calor dos demónios. Entre as quatro camas, de beliche e gavetão, dormíamos os três, de janela entreaberta mas persiana fechada - não fosse a mosquitada atacar - naqueles sete metros quadrados de quarto, ou coisa que o valha. À noite, ora me encostava à parede, ora rebolava na cama de cima, sempre à procura da parte fresca do lençol. O meu irmão, na cama de baixo, reclamava que estivesse quieta, que não me mexesse, que abanava tudo e não o deixava dormir. O calor a mim e eu a ele. A minha irmã na outra cama (em cujo espaldar de madeira ela tinha, em tempos, desenhado uns meninos e umas árvores porque não tinha papel à mão), tapadinha porque o que tapa o frio tapa o calor, também não dormia melhor. Mas eu sim, sofria muito mais porque a física diz que o ar quente sobe e eu podia jurar que ali subia e bem, que eles dormiam de certeza uns cinco graus celcius melhor que eu. Ou dez.
Se as noites eram más, os dias faziam esquecer tudo. O sol aquecia a laje que nos servia de tecto e a moleza instalava-se à hora da digestão. Mas a sesta, essa, ninguém queria dormir e mais que muitas vezes ali se montou a barraca. Do beliche de cima pendiam as toalhas que com o sal da água da praia quase se aguentavam em pé. E lá debaixo nós, na brincadeira ou a ler ou a pensar de olhos fechados. A dormir a sesta é que não. E apesar do abafo que passávamos, ninguém ousava por o pé fora do beliche, naquele terreno minado ou naquele rio de crocodilos. Um perigo. E além dessa, nem uma preocupação na vida.