14 dezembro 2009

Meu Deus...

A pequena cirurgia recebe com frequência cabeças partidas, dedos cortados, abcessos e hemorróidas. Quedas, porrada, bêbedos, enfim, todos os podres da sociedade e ainda percalços da vida quotidiana e da saúde que o corpo humano se encarregou de inventar para nos deixar embatucados. Engraçado...

Surgiu, então, há dias, o caso de um senhor de quase 80 anos, vindo de um lar (sobre o qual me vou excusar de tecer comentários) por... "farfalheira"...
Entrou de maca na urgência, olhar esgaseado, fora dali. Parecia por momentos conseguir fixar-nos em silêncio, sem qualquer outra reacção. Talvez fosse impressão minha.
Observou-o a medicina interna que pediu avaliação do membro superior esquerdo pela cirurgia.

Aqui entro eu e uma colega interna.

Vou ser directa, absolutamente crua: O senhor tinha um sarcoma. Era uma massa de cerca de 20x10x10 cm de tumor ensanguentado que lhe saía do braço. Uma coisa daquelas não aparece de um dia para o outro - tinha meses de evolução. E o cheiro... cadavérico.

Podia ter pensado na patologia, na terapêutica, na paliação. Mas não, só me passava pela cabeça uma questão: que tipo de pessoa deixa uma coisa daquelas acontecer a alguém??

As pessoas são despejadas nos lares à espera de que desapareçam por magia? Deixam-nos ali para morrer. Só.
São estes os frutos da negligência estúpida de famílias demasiado ocupadas para cuidar dos seus mais velhos ou demasiado qualquer coisa para serem minimamente decentes. (aaaggrhh QUE RAIVA)

Pediram-me que tirasse uma fotografia: tratava-se de um caso raro.
Primeiro não reagi. Depois acedi.
Sempre que olhar para ela vou obrigar-me a lembrar aquele senhor e que toda a gente merece o meu melhor.

Pedimos a opinião a cirurgiões gerais e plásticos. Fizemos o que podíamos (que era essencialmente nada). Naquele estado pouco havia a fazer. Aguardámos as duas em silêncio que o viessem buscar para ser internado.
E a seguir saí da sala e fui apanhar ar.
Só me apetecia gritar e chorar.
Quem lá esteve não voltou a tocar no assunto.

Dias depois contei por alto a historia a alguns mas ainda não me senti à vontade para falar mesmo disto com ninguém. Ou melhor, não senti que houvesse vontade de me ouvir a sério naquele dia. Mas não faz mal!, talvez noutra altura.

3 comentários:

  1. tudo bem, não acontece com todas as familias que entregam os mais velhos ao cuidado de outros nem tao pouco em todos os lares.
    mas é demasiadamente comum para não generalizar...

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  2. é um post muito grande por isso nao li. mas vim comentar.

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